Prova Exame Nacional de Portugal 2019 (1ª e 2ª Fase) com Soluções (EXAME FINAL NACIONAL DO ENSINO SECUNDÁRIO) VERSÃO 1 1ª FASE ...
Prova Exame Nacional de Portugal 2019 (1ª e 2ª Fase) com Soluções
(EXAME FINAL NACIONAL DO ENSINO SECUNDÁRIO)
VERSÃO 1
1ª FASE
GRUPO I
PARTE A
Leia o poema.
Bem sei que há ilhas lá ao sul de tudo
Onde há paisagens que não pode haver.
Tão belas que são como que o veludo
Do tecido que o mundo pode ser.
Bem sei. Vegetações olhando o mar,
Coral, encostas, tudo o que é a vida
Tornado amor e luz, o que o sonhar
Dá à imaginação anoitecida.
Bem sei. Vejo isso tudo. O mesmo vento
Que ali agita os ramos em torpor
Passa de leve por meu pensamento
E o pensamento julga que é amor.
Sei, sim, é belo, é longe, é impossível,
Existe, dorme, tem a cor e o fim,
E, ainda que não haja, é tão visível
Que é uma parte natural de mim.
Sei tudo, sei, sei tudo. E sei também
Que não é lá que há isso que lá está.
Sei qual é a luz que essa paisagem tem
E qual a rota que nos leva lá.
Fernando Pessoa, Poesia do Eu, edição de Richard Zenith,
2.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2008, pp. 314-315.
(IAVE 2019) Nas três primeiras estrofes, o sujeito poético descreve um lugar idealizado.
Apresente duas características desse espaço e exemplifique cada uma delas com uma transcrição pertinente.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 02
(IAVE 2019) Explique o conteúdo dos versos 3 e 4 e relacione-o com a temática pessoana em evidência no poema.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 03
(IAVE 2019) Explicite dois sentidos das anáforas e das suas variantes (versos 1, 5, 9, 13, 17 e 19), tendo em conta o desenvolvimento temático do poema.
SOLUÇÃO.
PARTE B
Leia o texto. Se necessário, consulte as notas.
Falando dos peixes, Aristóteles diz que só eles, entre todos os animais, se não domam nem domesticam. Dos animais terrestres, o cão é tão doméstico, o cavalo tão sujeito, o boi tão serviçal, o bugio¹ tão amigo ou tão lisonjeiro, e até os leões e os tigres com arte e benefícios se amansam.
Dos animais do ar, afora aquelas aves que se criam e vivem connosco, o papagaio nos fala, o rouxinol nos canta, o açor nos ajuda e nos recreia; e até as grandes aves de rapina, encolhendo as unhas, reconhecem a mão de quem recebem o sustento. Os peixes, pelo contrário, lá se vivem nos seus mares e rios, lá se mergulham nos seus pegos², lá se escondem nas suas grutas, e não há nenhum tão grande que se fie do homem, nem tão pequeno que não fuja dele.
Os Autores comummente condenam esta condição dos peixes, e a deitam à pouca docilidade ou demasiada bruteza; mas eu sou de mui diferente opinião. Não condeno, antes louvo muito aos peixes este seu retiro, e me parece que, se não fora natureza, era grande prudência. Peixes! Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos livre! Se os animais da terra e do ar querem ser seus familiares, façam-no muito embora, que com suas pensões³ o fazem.
Cante-lhes aos homens o rouxinol, mas na sua gaiola; diga-lhes ditos o papagaio, mas na sua cadeia; vá com eles à caça o açor, mas nas suas piozes⁴; faça-lhes bufonerias⁵ o bugio, mas no seu cepo; contente-se o cão de lhes roer um osso, mas levado onde não quer pela trela; preze-se o boi de lhe chamarem fermoso ou fidalgo, mas com o jugo sobre a cerviz⁶, puxando pelo arado e pelo carro; glorie-se o cavalo de mastigar freios dourados, mas debaixo da vara e da espora; e se os tigres e os leões lhes comem a ração da carne que não caçaram nos bosques, sejam presos e encerrados com grades de ferro.
E entretanto vós, peixes, longe dos homens e fora dessas cortesanias⁷, vivereis só convosco, sim, mas como peixe na água. De casa e das portas adentro tendes o exemplo de toda esta verdade, o qual vos quero lembrar, porque há Filósofos que dizem que não tendes memória.
Padre António Vieira, Sermão de Santo António (aos peixes) e Sermão da Sexagésima,
edição de Margarida Vieira Mendes, Lisboa, Seara Nova, 1978, pp. 73-74.
NOTAS
¹bugio – espécie de macaco.
²pegos – locais onde os rios ou os mares são mais profundos.
³pensões – obrigações; encargos.
⁴piozes – correntes colocadas nas patas de algumas aves de caça.
⁵bufonerias – graçolas; caretas.
⁶cerviz – parte posterior do pescoço.
⁷cortesanias – hábitos de cortesãos.
«Os Autores comummente condenam esta condição dos peixes, e a deitam à pouca docilidade ou demasiada bruteza; mas eu sou de mui diferente opinião.» (linhas 9 e 10).
(IAVE 2019) Justifique a opinião de Vieira relativamente aos peixes, tendo em conta a comparação entre o comportamento dos peixes e o dos outros animais (linhas 1 a 12).
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 05
«Peixes! Quanto mais longe dos homens, tanto melhor; trato e familiaridade com eles, Deus vos livre!» (linhas 12 e 13).
(IAVE 2019) Comprove a pertinência dos exemplos apresentados por Vieira (linhas 14 a 21) para fundamentar este conselho dado aos peixes.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 06
(IAVE 2019) Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada espaço.
Na folha de respostas, registe apenas as letras e o número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.
Um dos objetivos da oratória é delectare, ou seja, agradar ao auditório; para o alcançar, nas linhas 14 a 21, entre outros processos, Vieira socorre-se de uma construção na qual existe uma ____a)____, que contribui para uma evidente ____b)____ do discurso.
SOLUÇÃO.
PARTE C
QUESTÃO 07
(IAVE 2019) Do diálogo de José Saramago com o «passado» emerge, em romances como Memorial do Convento e O Ano da Morte de Ricardo Reis, uma visão crítica sobre o tempo histórico representado e sobre a sociedade desse tempo.
Escreva uma breve exposição na qual comprove a afirmação anterior, baseando-se na sua experiência de leitura de um dos romances mencionados.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite dois aspetos que são objeto de crítica pelo narrador, fundamentando cada um desses aspetos em, pelo menos, um exemplo pertinente;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
Comece por indicar, na folha de respostas, o título da obra por si selecionada.
SOLUÇÃO.
GRUPO II
Leia o texto.
Segundo a teoria de Darwin, a imaginação humana é um instrumento de sobrevivência. Para melhor compreender o mundo e, por conseguinte, estar mais preparado para lidar com as suas rasteiras e os seus perigos, o Homo sapiens desenvolveu a capacidade de reconstruir a realidade exterior na mente e de conceber situações com que pudesse confrontar-se antes de realmente se deparar com elas. Conscientes de nós mesmos e do mundo à nossa volta, somos capazes de construir cartografias mentais desses territórios, de os explorar num número infinito de maneiras e, depois, de escolher a melhor e mais eficaz. Imaginamos para existir, e somos curiosos para satisfazer o nosso desejo imaginativo.
A imaginação, enquanto atividade criativa essencial, desenvolve-se com a prática; não por meio de êxitos, que são conclusões e, portanto, becos sem saída, mas por meio de fracassos, por meio de tentativas que se mostram erradas e que exigem novas tentativas que, também elas, se os astros forem bondosos, conduzirão a novos fracassos. A história da arte e da literatura, como a da filosofia e da ciência, é a história desses fracassos iluminados. «Falhar. Tentar outra vez. Falhar melhor.», foi o resumo de Beckett.
Contudo, para falhar melhor, temos de ser capazes de reconhecer, imaginativamente, os erros e as incongruências. Temos de ser capazes de perceber que tal e tal caminho não nos conduzem na direção ambicionada, ou que tal e tal combinação de palavras, cores ou números não se aproxima da visão intuída na nossa mente. Recordamos com orgulho os momentos em que os nossos inspirados Arquimedes gritam «Eureca!» no banho; somos menos propensos a recordar os muitos mais momentos em que eles, como o pintor Frenhofer da história de Balzac, olham para a sua obra-prima desconhecida e dizem: «Nada, nada!... Não terei produzido nada!». Através desses poucos momentos de triunfo e desses muitos mais momentos de derrota, perpassa a grande pergunta da imaginação: «Porquê?».
«Porquê?» (nas suas muitas variações) é uma pergunta assaz mais importante na sua formulação do que na expectativa de uma resposta. O próprio facto de a colocarmos abre inúmeras possibilidades, pode acabar com preconceitos, resumir infindáveis dúvidas profícuas.
Pode desencadear respostas hesitantes, mas, se a pergunta for suficientemente poderosa, nenhuma dessas respostas se revelará suficiente. «Porquê?», como as crianças intuem, é uma pergunta que situa, sempre e implicitamente, o nosso objetivo para além do horizonte.
Alberto Manguel, Uma História da Curiosidade, Lisboa,
Tinta-da-China, 2015, pp. 11-12. (Texto adaptado)
QUESTÃO 01
(IAVE 2019) De acordo com o primeiro parágrafo do texto, a imaginação
(A) inibe a capacidade de construir conhecimento sobre o mundo que nos rodeia.
(B) permite ao homem a construção de um mundo alternativo, no qual se refugia.
(C) cria inúmeros constrangimentos à constante evolução do ser humano.
(D) dota o homem da capacidade de antecipar dificuldades e de tomar decisões.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 02
(IAVE 2019) Do ponto de vista do autor, é essencial à atividade criativa
(A) a fuga a situações geradoras de fracasso.
(B) a perseverança face ao fracasso.
(C) a obtenção cíclica de novos êxitos.
(D) a confiança relativamente aos êxitos alcançados.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 03
(IAVE 2019) A pergunta «Porquê?» (linhas 23, 24 e 28) é fundamental, na medida em que
(A) conduz geralmente às respostas desejadas.
(B) relativiza a curiosidade que nos fica da infância.
(C) alimenta um desejo insaciável de conhecimento.
(D) valoriza o sucesso dos resultados alcançados.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 04
(IAVE 2019) Ao recorrer às expressões «cartografias mentais» (linha 6) e «para além do horizonte» (linha 29), o autor utiliza
(A) a metáfora para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no primeiro caso, e a hipérbole para enfatizar a força da imaginação enquanto geradora de frustração, no segundo caso.
(B) a hipérbole para enfatizar a força da imaginação enquanto geradora de frustração, no primeiro caso, e a metáfora para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no segundo caso.
(C) a metáfora para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no primeiro caso, e enquanto motor da evolução, no segundo caso.
(D) a hipérbole para evidenciar o poder da imaginação enquanto meio de sobrevivência, no primeiro caso, e enquanto motor da evolução, no segundo caso.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 05
(IAVE 2019) As orações subordinadas iniciadas por «que» nas linhas 10 e 16 classificam-se como
(A) substantiva completiva, no primeiro caso, e adjetiva relativa explicativa, no segundo caso.
(B) adjetiva relativa restritiva, no primeiro caso, e substantiva completiva, no segundo caso.
(C) substantiva completiva, no primeiro caso, e adjetiva relativa restritiva, no segundo caso.
(D) adjetiva relativa explicativa, no primeiro caso, e substantiva completiva, no segundo caso.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 06
(IAVE 2019) Identifique as funções sintáticas desempenhadas pelas expressões:
a) «de palavras, cores ou números» (linhas 17 e 18);
b) «os momentos em que os nossos inspirados Arquimedes gritam “Eureca!” no banho» (linhas 18 e 19).
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 07
(IAVE 2019) Indique a modalidade e o valor modal expressos em «temos de ser capazes de reconhecer, imaginativamente, os erros e as incongruências» (linhas 15 e 16).
SOLUÇÃO.
GRUPO III
QUESTÃO
(IAVE 2019) Se algumas pessoas consideram que o acesso rápido e livre à informação é uma mais-valia na sociedade atual, outras defendem que esta facilidade pode ter um impacto negativo, tanto em termos pessoais como sociais.
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a problemática apresentada.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2019/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há que atender ao seguinte:
− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
SOLUÇÃO.
2ª FASE
GRUPO I
PARTE A
Leia o texto. Se necessário, consulte a nota.
Eram terríveis as rotinas, quase um rito iniciático, uma sagração. Havia o dia de esfregar a casa, o dia de lavar a roupa, o dia de arear os metais, o dia de tomar banho. E também o dia de pôr flores aos mortos. Havia ainda o dia do remédio para as bichas e o dia do pente fino, à cata dos piolhos apanhados na escola.
Nada mais contava senão o que estava determinado para ser o dia desse dia. As mulheres ficavam possessas de cada tarefa, como tangidas¹ por uma demoníaca alucinação. Era uma coisa obscura, essencial, que desordenava e reordenava a casa, as horas, os hábitos, os próprios humores. Ninguém podia quebrar aquele ritmo, que girava, obsessivo, à volta da mãe. Os homens estavam de fora, mas ao mesmo tempo dentro. Tinham de resignar-se à ordem de batalha de cada dia.
O pai escapava-se, pelo menos tentava, ausentando-se para dentro de si, sentado na cadeira, alheio aos ruídos, até mesmo às perguntas. Era o seu modo de resistir à teia tecida pela aranha infernal da rotina. Sentado na cadeira, olhando para longe, procurava manter um espaço inacessível à invasão dos deveres que roíam, como toupeiras, as próprias fundações da casa. Não era fácil. Quando menos se esperava, as criadas começavam de repente a levantar os tapetes, a virar as cadeiras de pernas para o ar, a arredar os móveis, a bater furiosamente nos tapetes pendurados no quintal. O pai levantava-se, às vezes resignado, às vezes revoltado. Então saía, batia com a porta, sumia-se. E só voltava uns dias depois.
Eu tinha medo daquelas operações de desarrumação e esfrega. Temia que o pai partisse e nunca mais voltasse. Mas ele acabava sempre por regressar. Durante uns dias, o frenesim afrouxava, havia uma espécie de trégua. Mas logo recomeçava. Eram assim os hábitos. As casas da vila estavam sujeitas a uma ordem preestabelecida. As pratas tinham de brilhar, e os cobres, e os talheres, os vidros das janelas, os cristais. E também o chão de madeira. Era mais importante do que o pendor dos homens para a divagação e o silêncio.
De certo modo não havia lugar para o pai nem para mim. Havia lugar para a nossa presença na ordem incessante dos ritos, a horas certas. Não para as cavalgadas solitárias que cada um tinha necessidade de fazer sem ser interrompido pela tarefa do dia. Mesmo que fosse o dia de receber visitas, com chá e bolos. Não tínhamos direito à nossa desordem interior, éramos prisioneiros de um espaço constantemente invadido por obrigações cujo sentido não podíamos entender. Não era por mal, era assim.
Manuel Alegre, «A grande subversão», O Homem do País Azul, 6.ª ed.,
Alfragide, Publicações Dom Quixote, 2008, pp. 51-53.
NOTA
¹tangidas – atingidas.
QUESTÃO 01
(IAVE 2019) Explicite dois aspetos que evidenciem o contraste entre o mundo das mulheres e o mundo dos homens, tal como nos é apresentado ao longo do texto.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 02
(IAVE 2019) No terceiro parágrafo, o narrador descreve comportamentos do pai que indiciam duas diferentes formas de reação à «ordem de batalha de cada dia» (linhas 9 e 10).
Identifique e justifique essas diferentes formas de reação.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 03
(IAVE 2019) Relacione a reflexão do narrador, presente no último parágrafo do texto, com o sentido da metáfora «teia tecida pela aranha infernal da rotina» (linhas 12 e 13).
SOLUÇÃO.
PARTE B
Leia o texto seguinte, constituído pelas estâncias 26 a 29 do canto VI de Os Lusíadas, bem como a contextualização apresentada. Se necessário, consulte as notas.
Contextualização
Encontrando-se os Portugueses já a navegar no Oceano Índico, Baco convence Neptuno a convocar um consílio de deuses marinhos, com a intenção de impedir a chegada daqueles à Índia.
Est. 26 Estando sossegado já o tumulto
Dos Deuses e de seus recebimentos¹,
Começa a descobrir do peito oculto
A causa o Tioneu2 de seus tormentos;
Um pouco carregando-se no vulto³,
Dando mostra de grandes sentimentos,
Só por dar aos de Luso triste morte
Co ferro alheio⁴, fala desta sorte:
Est. 27 — «Príncipe⁵, que de juro senhoreias⁶,
Dum Polo ao outro Polo, o mar irado,
Tu, que as gentes da Terra toda enfreias⁷,
Que não passem o termo limitado;
E tu, padre Oceano, que rodeias
O Mundo universal e o tens cercado,
E com justo decreto assi permites
Que dentro vivam só de seus limites;
Est. 28 «E vós, Deuses do Mar, que não sofreis
Injúria algũa em vosso reino grande,
Que com castigo igual vos não vingueis
De quem quer que por ele corra e ande:
Que descuido foi este em que viveis?
Quem pode ser que tanto vos abrande
Os peitos, com razão endurecidos
Contra os humanos, fracos e atrevidos?
Est. 29 «Vistes que, com grandíssima ousadia,
Foram já cometer⁸ o Céu supremo;
Vistes aquela insana fantasia
De tentarem o mar com vela e remo;
Vistes, e ainda vemos cada dia,
Soberbas e insolências tais, que temo
Que do Mar e do Céu, em poucos anos,
Venham Deuses a ser, e nós, humanos.
Luís de Camões, Os Lusíadas, edição de A. J. da Costa Pimpão, 5.ª ed.,
Lisboa, IC-MNE, 2003, pp. 155-156.
NOTAS
¹recebimentos – receção; acolhimento.
²Tioneu – Baco, filho de Tione.
³carregando-se no vulto – mostrando-se pesaroso, tristonho, desgostoso.
⁴Co ferro alheio – por intervenção de outrem.
⁵Príncipe – Neptuno.
⁶de juro senhoreias – dominas por direito; governas por direito.
⁷enfreias – refreias; impedes a passagem.
⁸cometer – enfrentar; desafiar.
QUESTÃO 04
(IAVE 2019) Explicite as estratégias argumentativas utilizadas por Baco (estâncias 27 e 28) para convencer Neptuno, Oceano e os outros deuses marinhos a serem seus aliados.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 05
(IAVE 2019) Apresente dois aspetos distintos que, na estância 29, evidenciem a mitificação do herói, fundamentando cada um deles com uma transcrição pertinente.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 06
Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada espaço.
(IAVE 2019) Na folha de respostas, registe apenas as letras e o número que corresponde à opção selecionada em cada um dos casos
Nestas estâncias, são utilizados alguns recursos expressivos frequentes em Os Lusíadas: na expressão «peito oculto» (v. 3), está presente uma ______a)____; a apóstrofe ocorre, por exemplo, em ______b)____.
SOLUÇÃO.
PARTE C
QUESTÃO 07
(IAVE 2019) Leia o excerto seguinte, retirado de uma fala de Maria em Frei Luís de Sousa (Ato I, Cena IV).
«O que eu sou... só eu o sei, minha mãe... E não sei, não: não sei nada, senão que o que devia ser não sou…»
Almeida Garrett, Frei Luís de Sousa, edição de Maria João Brilhante,
Lisboa, Comunicação, 1982, p. 110.
Escreva uma breve exposição na qual comprove que Maria se afasta daquilo que a família espera dela.
A sua exposição deve incluir:
• uma introdução ao tema;
• um desenvolvimento no qual explicite dois aspetos que comprovem que Maria se afasta daquilo que a família espera dela, fundamentando cada um deles com uma referência pertinente à obra;
• uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.
GABARITO.
GRUPO II
Leia o texto.
Quando me sinto desinfeliz vem-me sempre à cabeça o poema de Carlos Queiroz chamado «E no Seu Nome esperarão as gentes», que é uma citação de São Mateus. Isto dura desde os treze ou catorze anos, quando li o livro de poemas «Desaparecido» que descobri na biblioteca do meu pai. E no meio da desinfelicidade aparece-me logo a primeira quadra
No ar azul da madrugada
virias logo se eu chamasse?
Encostarias Tua face
à minha face enregelada?
Porque é que isto sempre me comoveu e ajudou tanto? Porque volto a ser logo o menino que fui e que o poema torna mais forte no meio da grande solidão que todos temos às vezes:
Se Te contasse o meu desgosto
de quando a angústia me vem ver
ter de expulsá-la pra viver
afagarias o meu rosto?
Esta é uma pergunta minha também. O meu desejo. E aqui, sentado a esta mesa cheia de papéis, escrevo isto comovidamente. Estes versos acompanham-me sempre no ar azul da madrugada, quando tudo me parece irremediável, sem qualquer solução. O que farei de mim, o que farei comigo? E depois, felizmente, voltam a paz e a esperança. Por que carga de água tudo me toca, uma voz, um olhar, um sorriso às vezes, uma senhora de idade a afastar-se de mim a remar com a bengala porque o passeio se transformou numa espécie de mar? Quando eu era pequeno tinha a Gija, uma camponesa galega que me deu tanto amor.
Ajudava-me a despir, vestia-me o pijama, ficava ao pé de mim até eu adormecer. Desapareceu da minha vida de repente, não sei porquê, e durante anos e anos não a vi. Quatro meses antes de embarcar para a guerra casei-me, havia pessoas no adro da igreja a olharem, eu não via a Gija (chamava-se Alice, eu não sabia dizer Alice) não via a Gija desde os cinco anos, portanto há cerca de vinte e de súbito ela estava ali, no meio das tais pessoas a olharem, gorda, de cabelos brancos e (como se explica isto?) soube logo que aquela pessoa era ela. Larguei a noiva, corri para aquela senhora e abracei-a de uma maneira como nunca abracei ninguém. Tinha o mesmo cheiro, a mesma forma de me tocar (posso estar a ser injusto mas acho que nunca ninguém me tocou como ela) os mesmos olhos transbordantes de ternura.
E ali ficámos, agarrados, comigo de novo tão pequeno, tão feliz. Gija. Gija Gija Gija. Os convidados do casamento espantados, as pessoas que olhavam espantadas e eu, muito maior do que ela, de repente pequeno, ao seu colo. Ao seu colo. Tinha um senhor ao lado, que era o marido que eu não conhecia, mas eu queria lá saber do marido. Éramos um do outro, Gija, e voltei a ser o menino de alguém. Voltei, com tanta força, a ser o menino de alguém. A ternura dela era a mesma, o amor por mim era o mesmo, só que estava cheia de lágrimas. Lembro-me tão bem de dizer-lhe
– Gija nunca deixei de ser o teu menino
e depois voltei para o casamento, para Tomar onde tinha sido colocado antes de ir para Angola, para longe de ti, eu que nunca devia ter saído do teu colo, tu que me amaste sempre incondicionalmente, com tanta pureza, tanta simplicidade, tanta, meu Deus, alegria. E eu que continuo a amar-te de uma paixão tão linda, eu que sempre, ao acontecer-me um desses problemas gravíssimos da infância, uma queda, a perda de um brinquedo, dizia logo
– Quero a Gija
e tudo se compunha outra vez.
António Lobo Antunes, «E no Seu Nome esperarão as gentes», Visão, 6/9 a 12/9/2018, p. 7.
QUESTÃO 01
(IAVE 2019) Em momentos de infelicidade, o autor lembra-se dos versos de um poema de Carlos Queiroz, pois
(A) produzem nele, simbolicamente, o mesmo efeito que Gija na sua infância.
(B) correspondem às perguntas que costumava colocar a Gija.
(C) proporcionam o mesmo conforto que a leitura dos textos sagrados.
(D) despertam nele emoções que transpõe, inevitavelmente, para a escrita.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 02
(IAVE 2019) No contexto desta memória de Lobo Antunes, entre outros aspetos, a evocação de Gija associa-se cumulativamente às ideias
(A) de honestidade e de subserviência.
(B) de proteção e de perdão.
(C) de amor e de compaixão.
(D) de segurança e de harmonia.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 03
(IAVE 2019) O advérbio «lá», utilizado na linha 35, apresenta uma ideia de
(A) desaprovação.
(B) indecisão.
(C) negação.
(D) indignação.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 04
(IAVE 2019) A partir da linha 41, o autor usa a segunda pessoa, quando se refere a Gija, para
(A) reproduzir, no seu discurso, as palavras que lhe dirigiu no dia do casamento.
(B) renovar os laços de união que foram perdidos após ter sido colocado em Angola.
(C) exprimir a convivência que com ela manteve de forma regular ao longo da vida.
(D) expressar a profunda comunhão com alguém que continua vivo na sua memória.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 05
(IAVE 2019) Nas orações «que nunca ninguém me tocou como ela» (linha 31) e «que eu não conhecia» (linha 35), as palavras sublinhadas são
(A) um pronome, no primeiro caso, e uma conjunção, no segundo caso.
(B) uma conjunção, no primeiro caso, e um pronome, no segundo caso.
(C) pronomes em ambos os casos.
(D) conjunções em ambos os casos.
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 06
(IAVE 2019) Identifique as funções sintáticas desempenhadas pelas expressões:
a) «de papéis» (linha 16);
b) «que aquela pessoa era ela» (linha 29).
SOLUÇÃO.
QUESTÃO 07
(IAVE 2019) Indique o valor aspetual veiculado por cada uma das expressões seguintes:
a) «Quando eu era pequeno tinha a Gija» (linhas 20 e 21);
b) «Desapareceu da minha vida de repente» (linhas 22 e 23).
SOLUÇÃO.
GRUPO III
QUESTÃO
(IAVE 2019) Tradicionalmente, a casa era o espaço de domínio feminino; por seu lado, o homem movia-se predominantemente num espaço exterior, fora de casa.
Será que, na atualidade, esta visão do mundo está já ultrapassada?
Num texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de duzentas e um máximo de trezentas e cinquenta palavras, defenda uma perspetiva pessoal sobre a questão apresentada.
No seu texto:
– explicite, de forma clara e pertinente, o seu ponto de vista, fundamentando-o em dois argumentos, cada um deles ilustrado com um exemplo significativo;
– utilize um discurso valorativo (juízo de valor explícito ou implícito).
Observações:
1. Para efeitos de contagem, considera-se uma palavra qualquer sequência delimitada por espaços em branco, mesmo quando esta integre elementos ligados por hífen (ex.: /dir-se-ia/). Qualquer número conta como uma única palavra, independentemente do número de algarismos que o constituam (ex.: /2019/).
2. Relativamente ao desvio dos limites de extensão indicados – entre duzentas e trezentas e cinquenta palavras –, há que atender ao seguinte:
− um desvio dos limites de extensão indicados implica uma desvalorização parcial (até 5 pontos) do texto produzido;
− um texto com extensão inferior a oitenta palavras é classificado com zero pontos.
SOLUÇÃO.
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